Costa; Alfredo Bruto da (coord); Baptista, Isabel; Perista, Pedro; Carrilho, Paula (2008) Um Olhar sobre a Pobreza. Vulnerabilidade e exclusão social no Portugal contemporâneo. Lisboa: Gradiva

 Por vezes a “exclusão social” parece um nome “moderno” para falar da pobreza, por se tratar de um termo “mais vago e, por isso, politicamente menos comprometedor” (p. 20)

Para B. Costa o conceito de exclusão não substitui o de pobreza pelo contrário complementam-se. Para isso é necessário compreender os conceitos, pelo que o autor salienta para:

1. Pobreza como uma situação de privação por falta de recursos, o que implica que a pobreza inclua a privação e a falta de recursos. Assim uma situação de privação sem falta de recursos não é pobreza e, consequentemente o tipo de resposta trata-se do uso adequado dos recursos. No entanto, existe maneiras de resolver a privação sem resolver a pobreza, já que a maior parte das medidas para resolver a privação não tem qualquer impacto sobre a falta de recursos. Um exemplo disso é apoiar com prestações pecuniárias que resolve a privação mas a falta de recurso só seria resolvida com o acesso a fontes “normais ou correntes” de recursos (p. 63).

Nesta lógica, a falta de recursos para fazer face às necessidades humanas básicas implica que o indivíduo não tem uma relação satisfatória com os sistemas sociais geradores de rendimentos. Simultaneamente a privação também apresenta uma situação de relação fraca ou de ruptura com diversos outros sistemas sociais – sistema de bens, sistema de saúde, etc. Quanto maior for a situação de privação maior será o numero de sistemas sociais envolvidos pelo que mais profundo o estado de exclusão. Segundo esta lógica “a pobreza representa uma forma de exclusão social, ou seja, que não existe pobreza sem exclusão social. O contrário, porém, não é valido. Com efeito existem formas de exclusão social que não implicam pobreza” (p. ex um idoso em que seu problema não seja económico mas de isolamento) (p. 63).

2. O conceito de exclusão implica estar excluído de algo. Exclusão vista do ponto de vista de contextos específicos como família e amigos deixam a ideia de “expulsão”. Mas o contexto a considerar quando falamos de exclusão social é todas as “esferas sociais em que a pessoa vive”. Assim quando falamos em exclusão social significa a exclusão da sociedade, ou seja, “o referencial que procuramos é a sociedade” (p.64). Para compreender o que é estar excluído da sociedade B. Costa baseia-se numa perspectiva sistémica, em que “cada uma das esferas da existência social – da mais pequena à mais ampla, da mais simples à mais complexa – constitui um sistema social”, onde “a sociedade (local, nacional, regional ou global) será, então, constituída por m conjunto de sistemas sociais, alguns dos quais poderão ser considerados como básicos ou essenciais” (p. 65).

A sociedade é aqui vista como um conjunto de sistemas sociais a que o individuo pertence. No entanto, a relação de uma pessoa com a sociedade não depende apenas dos laços sociais, ou seja, das redes de sociabilidade (família, vizinhos, amizade) e seu do funcionamento. “A inclusão na sociedade depende também do posicionamento dos indivíduos relativamente ao domínio económico, quer no que se refere aos sistemas geradores de rendimentos, quer à possibilidade (ou não) de aquisição de bens e serviços indispensáveis ao funcionamento em sociedade” (p.65). No que se refere aos sistemas geradores de rendimentos (mercado de trabalho, segurança social – reformados – e a propriedade) a “solidez da relação depende da existência e do nível e regularidade dos salários, das pensões e do rendimento do capita, daí podendo decorrer situações de insuficiência de recursos (pobreza), de deficiente distribuição dos rendimentos (desigualdade) ou de perda de autonomia financeira (sobre endividamento) ” (p. 66).

Outra das dimensões refere-se a relação que estabelecemos com as instituições básicas, “através das quais concretizamos (ou não) outras formas de exercício dos direitos de cidadania” (p. 67). No domínio institucional existem diferentes tipos de sistemas que vão influenciar a inclusão dos indivíduos na sociedade. “Neste relacionamento entre os indivíduos e os diferentes sistemas institucionais procura-se perceber em que medida existe efectivo acesso a estes domínios, no sentido da existência (ou não) de obstáculos que, para além dos financeiros impeças (ou facilitem) a inclusão das pessoas nestes subsistemas” (p. 67).

 

Bruto da Costa salienta que a “forma corrente de identificar uma pessoa pobre ou uma pessoa socialmente excluída consiste em avaliar as suas condições de vida objectivas”, já que essa é a dimensão mais visível e observável da pobreza, mesmo que não seja o mais grave. Por condições visíveis do problema o autor refere a alimentação, modo de vestir, condições habitacionais, estado de saúde, etc. Apesar destas carências materiais serem uma dificuldade em si, a pobreza é um problema muito mais amplo e complexo, já que essas mesmas carências afectam o bem-estar do indivíduo como um todo – os seus afectos, as suas condutas e comportamentos, as suas ideias, o cumprimento dos seus deveres e a utilização dos seus direitos, etc. (p.20). O autor sublinha a importância de compreender que cada uma das dimensões “concretas” e objectivas da pobreza afectam cada indivíduo/ família de forma distinta, já que depende das “características pessoais, do tipo das carências e do tempo de permanência na privação” (p. 20).

O autor efectua uma análise sobre a multiplicidade das perspectivas e definições, considerando que essa diversidade resulta dos diferentes conceitos valorizarem mais umas dimensões do que outras, pelo que se podem considerar complementares e não antagónicas.

No estudo coordenado pelo Professor Bruto da Costa a pobreza é considerada como uma situação de privação resultante da falta de recursos. Para o efeito o autor chama a atenção para a necessidade de efectuar a distinção entre pobreza e privação (Townsend, 1987). Onde a privação “consiste numa situação de carência, que pode resultar de falta de recursos, mas também de outras causas (desgoverno, alcoolismo, toxicodependência, doença psiquiátrica, etc.)” Assim, a privação é delimitada para as situações que resultem da “falta de recursos”, levando a uma situação de carência – em relação as necessidades humanas – pelo que “constitui, em si mesma, um problema que reclama solução” imediatas mesmo que de forma transitória (p.26). Saliente-se, no entanto, que se “a intervenção em causa se limitar a tratar da privação, a pessoa pobre permanecerá indefinidamente dependente da ajuda (pública ou privada) que recebe e de que necessita para vencer as carências” (p.26). Deste modo, a dependência sublinha o papel da falta de recursos enquanto causa da privação e demonstra que não basta resolver o problema da privação para que a pobreza tenha solução, já que está apenas será resolvida quando for solucionada a falta de recurso. Como Bruto da Costa refere “resolver a falta de recursos equivale a tornar a pessoa auto-suficiente em matéria de recursos, o que significa que a pessoa em causa deixa de estar dependente de formas extraordinárias de ajuda e passa a ter como meio de vida um rendimento proveniente de uma das fontes consideradas como normais e correntes na sociedade em que vive” (p.26).

Nesta lógica a solução para o problema da pobreza “requer a resolução de dois problemas distintos, embora interligados: a privação e a falta de recursos” (p.27).

A pobreza vista como uma situação de falta de recursos pode ser entendida de diferentes formas existindo, segundo o autor, duas classes possíveis para definir a pobreza (p.31):

1.    A classe dos conceitos objectivos que engloba:

a)    Conceito normativo ou absoluto

A expressão “ «conceito absoluto da pobreza» deu origem a «linha da pobreza absoluta» e, por fim, a «pobreza absoluta» ”. Esta evolução não seria negativa “se por «pobreza absoluta» se entendesse um estado de pobreza avaliado pela perspectiva absoluta, e por «linha de pobreza absoluta» uma linha de pobreza baseada no conceito absoluto da pobreza”. Mas isto nem sempre acontece, já que comummente “a palavra «absoluto» significa completo, total, perfeito e puro. Nesse entendimento, «pobreza absoluta» sugere «pobreza severa», «pobreza extrema», «um estado mais profundo de pobreza» ”. Este entendimento resulta em duas ideias: i) “pressupões que a «pobreza relativa» é necessariamente menos severa do que a «pobreza absoluta» (o que pode nem sempre ser o caso, dependendo da opção que se tome quanto ao nível do limiar de pobreza) ”; ii) o “termo «absoluto» é aplicado para qualificar a pobreza e não o conceito” (p.35)

O primeiro autor que frequentemente é apontado como tendo utilizado o conceito universalista (designado absoluto por oposição ao relativo) de pobreza foi Seebohm Rowntree que definiu o limiar da pobreza como a “despesa mínima necessária à manutenção de mera saúde física (Rowntree, 1971)”, referindo-se a “alimentação, renda de casa e “diversos domésticos” (roupa, luz, combustíveis, etc.)” (p. 32)

Devido a ênfase excessiva que Rowntree colocava nas necessidades fisiológicas Townsend (1979, 33) considera-o como “conceito de subsistência” ou segundo Sem (1982,12) “perspectiva biológica” (p. 33). De facto o conceito deste autor é um conceito objectivo (por oposição a subjectivo) e absoluto (por oposição a relativo) da pobreza. Pode-se considerar objectivo já que a determinação do liminar da pobreza não se baseia “apenas na opinião, sensibilidade, sentimentos ou percepções subjectivas do investigador, do pobre ou da opinião pública em geral”, mas na definição de um “padrão de vida mínimo considerado como suficiente para satisfazer as necessidades identificáveis pelos conhecimentos científicos existentes na altura, acerca das necessidades humanas básicas” (p. 34). Note-se que esses critérios referem-se apenas a alimentação/ nutrição e não consideram a energia, vestuário e habitação.

A noção de absoluto desta definição pode ser associado a duas características: “a) a pobreza foi definida com referência a um conjunto de necessidades básicas identificadas por via normativa; b) o conceito presume que essas necessidades são influenciadas mas não totalmente determinadas pelo nível económico da sociedade, pelos padrões de distribuição dos rendimentos e da riqueza ou pelos níveis de vida se que a pessoas usufruiu no passado”. (p.34).

Hoje em dia não é possível aceitar uma definição de pobreza que se preocupe apenas com “a manutenção da saúde meramente física”, independentemente do país onde ela seja aplicada. O próprio Rowntree reconheceu essa limitação no conceito (p. 36). Na actualidade a definição “objectiva” de necessidades têm sido melhoradas o que põe também em evidência a complexidade da realidade humana, retirando a este procedimento o seu carácter puramente “objectivo quantitativo e impessoal” (p. 37). Mas apesar dessas alterações o carácter normativo da perspectiva de Rowntree persiste em oposição a perspectiva comportamental. Dito de outro modo, “o conceito «absoluto» da pobreza não tem de ser um conceito «fixo». Pelo contrário, o conceito adquire uma dimensão «relativa» na medida em que tem explicitamente em conta parâmetros que se referem a sociedade em geral e com as mudanças ao longo do tempo” (p. 38)

 

b)   Conceito relativo.

Uma das alternativas ao conceito absoluto é o conceito “relativo” da pobreza, que surgiu pelas mãos de Peter Townsend, o “arquitecto do conceito relativo de pobreza” (p. 40), que considerava que a solução não estava no melhoramento do conceito absoluto mas da criação de um distinto. No seu livro Poverty in the United Kingdom (1979) Townsend refere: “(…) Pode dizer-se que indivíduos, famílias e grupos da população se encontram em pobreza quando carecem de recursos para obter os tipos de dieta, participar nas actividades e ter as condições e comodidades que são habituais ou, pelo menos, largamente encorajadas ou aprovadas nas sociedades a que pertencem. Os seus recursos estão tão seriamente abaixo daqueles de que dispõem o indivíduo ou família médios, que são, de facto, excluídos dos padrões de vida, costumes e actividades correntes” (p. 41). Este excerto do texto permite, segundo Bruto da Costa, algumas transformações importantes como seja (p.41-42): i) alteração do termo “rendimento” por “recurso”, que é mais amplo e inclui os activos financeiros, bem como do termo “consumo” por “estilo de vida”; ii) no novo conceito “relativista” “o padrão para se definir as necessidades e aferir a medida em que estas são, ou não, satisfeitas é fornecido exclusivamente pelo contexto social: o que é habitual, ou pelo menos amplamente encorajado ou aprovado na sociedade”; iii) a relação que se estabelece entre pobreza e recursos, em vez de com as condições de vida, permitindo, desse modo, efectuar a distinção entre pobreza e privação; iv) a introdução da ideia de exclusão como uma característica da pobreza, ao referir a exclusão de “padrões de vida, costumes e actividades correntes”.

Este autor considera a pobreza como essencialmente relativa, pelo que não é suficiente ter em conta a “dimensão relativa” das necessidades. Bruto da Costa salienta as críticas que Amartya Sem efectua ao conceito relativo da pobreza. Sen considera que “sobretudo contra a conceitualização absoluta simplista de pobreza, a perspectiva relativa tem representado uma mudança inteiramente bem-vinda (…) em última análise, a pobreza tem de ser vista como sendo primariamente uma noção absoluta, embora a especificação dos níveis absolutos tenha de ser feita e modo muito diferente do utilizado pela tradição mais antiga (Sem, 1983)” (p. 43/44). Outra das críticas lançadas por Sem refere-se a ideia que a visão relativista implica que “um declínio geral na prosperidade com imensas pessoas adicionais na miséria – por exemplo devido a uma severa recessão ou depressão – não tem de aparecer necessariamente como um aumento acentuado da pobreza uma vez que o quadro relativo não pode mudar”. Pelo contrário defende que “uma queda acentuada da prosperidade geral que cause fome e sofrimento generalizados, tem de ser vista, por qualquer critério aceitável da pobreza, como uma intensificação da pobreza” (Sem, 1983) (p.45).

Bruto da Costa explica estas diferentes perspectivas com o seguinte exemplo: levando em conta o conceito relativo da pobreza poderá existir uma sociedade onde um indivíduo que só tem dinheiro para comprar um Cadillac por dia poderá ser considerado pobre. Para os defensores do conceito absoluto isso não seria possível (p. 46-47)

 

2. A classe do conceito subjectivo

Bruto da Costa apresenta as duas variantes que, segundo Piachaud (1987), integram a perspectiva subjectiva: a primeira refere-se aquilo que “o público diz dever facultar-se no nível mínimo – o nível da pobreza desejado”; o segundo refere-se a “aquilo por que o público está disposto a pagar em impostos, como um rendimento mínimo – o nível de pobreza financiável” (p. 49-50). Para B. da Costa o conceito “subjectivo” de pobreza não deve constituir uma alternativa as abordagens “objectivas” mas sim uma forma complementar que permite incluir “o conceito que grupos relevantes da sociedade, e a sociedade em geral, têm da pobreza e a sua noção de necessidades básicas” (p.52).

Este conceito obriga, segundo o autor, a efectuar a distinção entre pobreza e desigualdade. Desigualdade refere-se ao “modo como um dado volume de recursos é distribuído pelas unidades de análise (pessoa, famílias, ageragdos, etc). Deste ponto de vista, proporções iguais para todos significa igualdade absoluta; e a concentração de todos os recursos numa unidade, com parcelas nulas para as outras, significa desigualdade extrema. Assim, o conceito de desigualdade não se preocupa com o modo como as parcelas que cabem a cada unidade se traduzem em níveis e estilos de vida. Desigualdade mínima pode coexistir com pobreza máxima (situação em que todos são igualmente pobres) (World Bank, 1990)” (p.52-53). Pelo contrário a pobreza define-se “primeiramente, com referência a níveis e condições de vida”. Independentemente do conceito ser absoluto, relativo ou subjectivo a pobreza tem por base a preocupação com as “condições que tem de ser satisfeitas, ou os recursos necessários, para se ter acesso a um dado padrão de vida”. De igual modo, a pobreza “assume a existência de um limiar, abaixo do qual os recursos significam pobreza” (p. 53).

Para B. da Costa existe, no sentido descendente um “ponto (ou zona) em que as condições de vida e o estilo de vida sofrem uma degradação qualitativa. A identificação desse limiar tem de se basear em critérios “absolutos” (por exemplo para o caso da fome mesmo quando generalizada), tanto quanto em critérios “relativos” (por exemplo para o caso de exclusão do que é corrente na sociedade). Parece ser aqui que reside a principal distinção entre desigualdade e pobreza, da qual os imperativos morais e políticos são uma consequência” (p. 53).

Atkinson demonstra a importância de distinguir pobreza de desigualdade do ponto de vista das políticas. Este autor mostra 4 formas distintas de conceber a relação entre esses dois conceitos e como os objectivos diferem consoante o peso que se atribui a cada um deles: “a) não atribuir nenhum peso específico a pobreza; b) evitar a pobreza tem prioridade para garantir a liberdade efectiva, mas a desigualdade entra na avaliação como uma segunda preocupação; c)preocupação apenas com a pobreza; d) trade-off entre pobreza e desigualdade (Atkinson, 1989) ” (p.55).

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